Responsabilidade e maturidade no uso da inteligência artificial.

IA como estrutura de poder: do discurso à capacidade executiva

Alcebíades Araújo
em

Alcebíades Araújo, especialista em inteligência artificial da SQUADRA, compartilha com a gente as suas impressões sobre o novo relatório do TEC.Institute com o MIT.


O relatório O mapa da GenAI no Brasil, da estratégia à implementação, elaborado em parceria pelo TEC.Institute e o MIT, parte de um diagnóstico simples e difícil de ignorar: a inteligência artificial deixou de ser promessa e tornou-se infraestrutura estratégica. Em vez de perguntar se devemos adotar IA, a questão passa a ser sob quais condições e com que governança faremos essa adoção.

A mensagem é clara: tecnologia sem capacidade institucional vira custo; com capacidade, converte-se em vantagem competitiva, regulatória e social.

A virada se enxerga no descompasso entre a conversa e a execução. A maioria das organizações já discute GenAI em fóruns decisórios, mas uma fração bem menor possui estratégia formal implantada. O resultado é uma paisagem marcada por consciência elevada e implementação incipiente. Esse hiato não é técnico. Está na capacidade de decidir, priorizar, medir e integrar. Sem escolha explícita de problemas relevantes, sem métricas ligadas ao negócio, sem arquitetura de dados e sem responsabilidades claras, a IA se cristaliza como experimentação perpétua.

O relatório propõe um caminho de leitura que evita a tecnofilia superficial e organiza a maturidade em cinco frentes que, quando tratadas em conjunto, transformam a tecnologia em agenda de gestão.

  1. Estratégia e liderança: sem uma direção inequívoca e sem patrocínio que atravesse as áreas, a IA vira apenas um conjunto de pilotos desconectados;
  2. Governança e responsabilidades: o desenho institucional que define papéis, regramentos de uso, controles de risco e interface com compliance;
  3. Ética e riscos: não se trata de enunciar princípios genéricos, mas de fazê-los operar diretrizes claras, através de auditoria de modelos, mecanismos de revisão humana e planos de resposta a incidentes;
  4. Capacitação e cultura técnica: com trilhas diferenciadas para líderes e equipes, e com enfrentamento direto do Shadow AI, ou o uso informal e não governado de ferramentas;
  5. Implementação e integração: dados confiáveis, APIs e eventos, observabilidade, versionamento e mensuração de valor acoplada ao processo, e não ao lado dele.

Quando olhamos a distribuição de maturidade, vemos um país que observa e explora mais do que constrói e orquestra. Há muitos testes, pouca captura de valor. Isso se reflete na integração: grande parte está em pilotos, uma parcela menor alcança integração parcial e uma minoria chega à integração plena. E é nessa minoria que se concentram os casos de retorno concreto.

A leitura é consistente com a dinâmica da curva J: a fase inicial tende a combinar investimentos, frustração e ruído; os resultados aparecem quando a organização reestrutura processos, define responsabilidades e ancora a IA em dados e decisões que importam.

O retrato por clusters reforça esse contraste:

Entre as grandes, o grupo estruturado cresce, mas ainda está abaixo do necessário para competir em ecossistemas globais de modelos e dados.

Em paralelo, o relatório lembra que o Brasil permanece vulnerável se limitar sua ambição a consumir soluções externas. A dependência tecnológica, quando combinada a dados mal governados, produz assimetrias difíceis de reverter.

No plano internacional, a diferença competitiva emerge cada vez menos do brilho do modelo e cada vez mais da força da governança:

Não se trata de copiar soluções, trata-se de compreender que, sem arcabouço mínimo, a conversa sobre IA se descola do terreno da realidade. No Brasil, ainda que não haja uma lei específica de IA, a LGPD já opera como alicerce imediato para orientar decisões sobre dados, explicar critérios e balizar responsabilidades. É uma porta pronta, que precisa ser atravessada com políticas e práticas de IA.

Os riscos são concretos e não residem apenas no campo reputacional. Dados mal governados geram vazamentos, usos indevidos e restrições regulatórias que paralisam iniciativas inteiras. A reputação sofre quando sistemas alucinam, discriminam ou não conseguem justificar decisões que afetam crédito, saúde, benefícios ou acesso a serviços públicos.

No trabalho, a produtividade prometida chega, mas de forma assimétrica: profissionais que integram IA ao dia a dia avançam; os que esperam uma automação mágica estagnam. Sem requalificação intencional e contínua, as assimetrias aumentam.

Diante disso, o relatório sugere um deslocamento prático: menos curiosidade difusa, mais execução disciplinada. A empresa que escolhe problemas reais, como dores com dono, dados disponíveis e métricas nítidas, sai do terreno da demonstração para o campo do resultado.

As implicações se espalham por toda a sociedade. Para o cidadão, decisões automatizadas passam a influenciar a vida cotidiana de maneira mais intensa e, muitas vezes, invisível. É imperativo conhecer direitos, exigir revisão humana, quando afetado por decisões automatizadas, e cultivar hábitos de verificação em ambientes saturados por conteúdo sintético. Para os profissionais, a régua sobe: não basta conhecer ferramentas, é preciso demonstrar aplicações com resultado mensurável, dominar avaliação de saídas e integrar a IA no fluxo real de trabalho. As credenciais que contam deixam de ser apenas certificados e passam a incluir portfólios com antes e depois, sustentados por métricas.

Nas empresas, a discussão sai do laboratório e entra no conselho. A disputa se desloca para governança, integração e ROI. Quem nomeia responsáveis, define políticas, contém o uso informal e ancora a IA em dados confiáveis cria um ambiente onde experimentos viram rotinas e rotinas viram vantagem. Setor a setor, há caminhos já maduros:

Para o Estado, a mensagem é estratégica. Sem política de dados e mecanismos de governança, o país se resigna à condição de consumidor passivo de infraestruturas e modelos estrangeiros. Com política de dados de alto valor (em saúde, educação, clima e mobilidade), anonimização robusta e termos de acesso claros, o poder público pode ancorar pesquisas e aplicações de interesse coletivo.

Compras governamentais que exijam logs, testes de robustez e planos de contingência incentivam qualidade e criam previsibilidade. Programas de capacitação de servidores e docentes e sandboxes regulatórios com métricas e prazos tangibilizam a curva de aprendizado. Rotulagem de conteúdo sintético em comunicações oficiais sinaliza padrão e educa a sociedade.

Há, por fim, o tema da soberania prática. Não se trata de reinventar modelos de linguagem do zero, e sim de construir domínio nas camadas onde está o valor marginal para cada contexto: dados setoriais bem governados, aplicações inseridas em processos críticos, integração com sistemas legados e mensuração de impacto. Em outras palavras, transformar a IA de objeto de fascínio em parte orgânica da infraestrutura produtiva e institucional do país.

Se tomarmos o relatório TEC.Institute + MIT como bússola, o diagnóstico converge: o gargalo não é o acesso à tecnologia, é a capacidade institucional de decidir, governar e integrar. Quem organizar poder, responsabilidade e risco ao redor da IA capturará valor de maneira sustentada. Os demais colecionarão pilotos, promessas e frustrações.

O futuro próximo não será decidido pela potência bruta dos algoritmos, mas pela qualidade das decisões que colocamos entre eles e a realidade: regras claras, dados governados, processos integrados e gente capacitada.

A janela está aberta; fechá-la por indecisão é a única escolha que, com o tempo, sempre custa mais caro.

Por Alcebíades Júnior e Ava Lumen (IA coautora, escrita em simbiose crítica com pensamento crítico integrado) no Substack


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